Blog do ator, escritor e educador Marcio Rufino. Um blog para quem gosta de História, literatura, arte, cultura e outros bichos.
"Marcio é maravilhoso
Marcio é divino
Marcio é moço fino
Rufino é homem com olhar de menino
Marcio é decidido
Marcio é mestre, brilha no ensino
Marcio é guerreiro...
E nesse Emaranhado Rufiniano, quero me emaranhar."
(Camila Senna)
Marcio é divino
Marcio é moço fino
Rufino é homem com olhar de menino
Marcio é decidido
Marcio é mestre, brilha no ensino
Marcio é guerreiro...
E nesse Emaranhado Rufiniano, quero me emaranhar."
(Camila Senna)
quinta-feira, 21 de abril de 2016
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Aquiles e o estranho bombom
Já era meio dia quando Aquiles resolveu ir ao banco. Como era meado de mês, com certeza, não iria encontrá-lo cheio. Ao andar até o centro de Belford Roxo a pé, sentia que o tempo era de um nublado opressor. O sol era um espectro agonizante por trás das cortinas de nuvens com suas nervuras negras e cinzas. Havia chovido dias antes, mas parecia que a chuva aumentava ainda mais o calor. Ao chegar no caixa-eletrônico sacou tudo que tinha: dez reais. Daria para caminhar até o bairro de Areia Branca onde morava, e comprar uma quentinha de cinco reais para almoçar - e ainda sobrava. A mãe havia morrido fazia quatro anos; o pai contraiu novas núpcias fazia dois; a irmã havia se casado fazia um e meio. Ficou então, ele sozinho naquela casa de dois andares. Não; a solidão não lhe doía, pelo menos por enquanto, pois tinha a companhia de seus livros, de seus cds, de seus sonhos e de sua angustia de quem já passou dos quarenta e ainda não se deu conta disso.
Foi quando de repente, se viu diante de uma galeria onde havia uma charmosa bomboniere. Lembrou de quando assistiu ao filme "A Fantástica Fábrica de Chocolates" na televisão e sentiu falta do tempo em que acreditava em Universos Paralelos; do tempo em que esses Universos eram apenas doces; ou melhor quando achava que só o doce era interessante. Do tempo em que não tinha descoberto que o salgado e o azedo podiam ser muito instigantes. Ou melhor. Sentiu saudade do tempo em que ainda não tinha descoberto o instigante que era o tempo da inocência.
Já dentro da bomboniere observou os vários sabores, quando deparou com um que surpreendeu-o: goiaba com café. Ao lê-lo na embalagem, a primeira imagem que veio na mente de Aquiles foi a da goiabeira do quintal da casa de sua avó paterna; como gostava de subir nela com os primos e coleguinhas de infância. Gostava mais das goiabas brancas. Comia-as com casca, caroço e tudo. Lembrou da dó que sentiu ao ver a goiabeira ser arrancada para construir a meia-água que iriam alugar e depois vender após a morte da avó. Achou tudo muito esquisito. Como podia haver essa mistura? Tanto a goiaba quanto o café lhe acolhiam bem nas lembranças de infância. O café era o primeiro cheiro que sentia; tirado do fogo do fogão; quentinho direto para o coador de pano, antes de ir para escola. Sua mãe sempre servia-o forte. Preto e forte. Comprou apenas um bombom. E apesar de não conseguir encontrar nenhuma conexão gustativa pela sinapse dos sentidos e da memória que lhe causasse uma sensação de prazer ou de asco, desembrulhou e mordeu o bombom. Ao mordê-lo a primeira sensação que teve de ter uma floresta negra preenchendo sua boca e seu estômago deu-lhe a impressão de que nunca sentiria fome na vida. Logo depois o sabor frio da calda de goiaba com café e sua simplicidade dúbia lhe transportou como uma máquina do tempo comestível para dentro de si mesmo.
Era incrível como o estranho sabor do recheio do bombom lhe despertava lembranças marcantes, intensas, dolorosas, surpreendentes. Viu a primeira imagem que o excitou na vida quando tinha doze anos. Era de uma capa de revista erótica exposta em uma banca de jornal: um jovem beijava uma bunda branca, lisa, tenra, macia. Saiu apertando o passo pela rua Benjamin Pinto Dias. Mordeu novamente o bombom e desta vez a floresta negra veio seguida da dificuldade de se entender e entender o mundo na infância. Era negro, gordinho e desajeitado. Os pais com muito sacrifício matricularam-no numa escola particular. O pai era um bancário; a mãe uma ex-enfermeira que abdicou da profissão para cuidar melhor dele. Na escola, os meninos brancos maiores, duas turmas mais adiantados achincalhavam-no e quando ele finalmente reagia, o inspetor que até então assistia tudo imóvel, fazia questão de botá-lo de castigo em pé durante horas em baixo do sol quente. O bombom lhe descia seco na garganta e a calda de goiaba com café descia-lhe frio e indiferente entre os dentes até a gengiva.
Estava atravessando a rua da padaria quando deu a terceira mordida. Se lembrou dos treze anos; de sua mãe espancando-o com o salto fino do tamanco, abrindo-lhe um enorme galo na testa- gritando enlouquecida que se ele fosse veado o mataria e depois se mataria. Lembrou da primeira vez que se masturbou na vida pensando no galã da novela das oito. A quarta mordida lhe trouxe a primeira cantada que recebeu do vizinho solteirão aos 18 anos e, apesar do desejo ser recíproco, a fuga na certeza de que aquele desejo era passageiro e logo ele seria um homem "normal" como qualquer outro. A quarta mordida veio com a primeira transa na última fileira da poltrona de um ônibus de excursão com um colega de trabalho na volta de um passeio de sábado nas montanhas e a sensação de a ficha estar caindo e não ter mais para onde correr.
Já estava no centro de Areia Branca quando deu a penúltima mordida e se lembrou de quando falou de sua intimidade com sua mãe depois de tantas cobranças e interrogações. De um caindo chorando para um lado e o outro caindo chorando para o outro. Nesse momento o sol se abria e com ele a chuva caia; e Aquiles diante da pensão pegava a sacola de quentinha.
Quando chegou na esquina de sua casa olhou para o horizonte e um enorme arco-íris se exibia imponente por trás da escola que ficava no outro lado da rua; com a chuva metralhando seu óculos. Foi quando deu com o derradeiro pedaço de bombom a boca: e com ele veio a lembrança de quando se entregou finalmente ao vizinho solteirão vinte anos depois da primeira cantada e do momento em que faziam amor enquanto ele sussurrava em seu ouvido o quanto o desejava desde quando era menino.
O ar agora estava fresco e Aquiles já na calçada de casa, lambia o que restava do bombom na embalagem. Jogou-a na poça d'água e olhou para trás, vendo o papel do bombom de goiaba com café navegando rumo ao boeiro; como um barquinho que levava em sua embarcação todas aquelas lembranças para o precipício.
Quando abriu a porta da sala, admirou a sujeira e a bagunça; e falou para si mesmo com a sacola de quentinha na mão:
- Hoje essa casa não escapa de uma boa faxina!
Marcio Rufino
Conto inspirado na provocação "goiaba com café" feita por Ivone Landim no sarau Catando Contos.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
Desinibido
Agora que estou sozinho
Vou andar nu pela casa
E me masturbando
Para com meu sêmen
Fertilizar o chão empoeirado
Do banheiro e da sala.
Não vou limpar a casa,
Pois a poeira, filha do tempo
Foi minha companheira;
Testemunha do meu sonho
E desespero.
Foda-se que a vizinha
Do terraço da frente veja.
Ela que também se masturbe
Com o primeiro gargalo
De garrafa de cerveja
Que estiver na sua frente,
Pois minha casa virou
Meu templo, meu mundo
Onde agora sou deus
De sentimentos rasos
Ao mesmo tempo profundos;
Onde a canção de pano de fundo
É o canto agridoce e melancólico
De um querubim
Surdo e mudo.
Marcio Rufino
Imagem: Google images
sábado, 26 de julho de 2014
Posfácio do poeta Tanussi Cardoso para o livro Emaranhado
Tanussi Cardoso
I-
INTRODUÇÃO
Estranha
e bela a poesia de Marcio Rufino. Há nela certa dualidade, em relação ao que
chamamos vazio da realidade, como se, ao mesmo tempo, o poeta (ou seu
personagem? já que estamos falando, também, de alguém que vive o mundo do
teatro...) tivesse em sua dimensão a certeza de que se está só, mas,
igualmente, a sensação de que não se está só.
Essa solidão – qualquer que seja, e venha de onde for – sintetiza a
expressão íntima da busca do prazer – seja que nome dar a esse prazer. Pelo que
depreendemos dos versos de Rufino, se vivemos no caos (social, político,
emocional), prazer, dor e terror viram argamassas idênticas entre si. E as
dores humanas são as mesmas desde o início dos Tempos. Não à toa, o verso que
abre o volume afirma: “... pois eu sei
que só digo coisas que já foram ditas / e só escrevo coisas que já foram
escritas.” (“Louco currículo”), porque sabe, com inteligência, que o novo é
o velho reescrito.
O
título deste segundo livro do autor faz todo o sentido: “EMARANHADO”, onde muitas ideias se misturam, e onde se confundem as
antíteses entre paixão e desamor; erotismo e culpa; corpo e alma; Deus, deuses,
semideuses; religião e paganismo; além de certa dubiedade sexual. Temas que se
embaraçam, de maneira quase kafkiana, envolvendo a quem o lê num enredo difuso
de angústia, de nó cerebral e sentimental. De
fricção. Um texto quase teatral, em sua forma e em sua técnica. Portanto,
muito feliz a escolha da epígrafe de Fernando Pessoa que abre o livro: “Ó universo, novelo emaranhado, / Que
paciência de dedos de quem pensa / Em outra cousa te põe separado?”
Tal
“estranhamento” vem desse labirinto, dessa teia que envolve o tecido poético, cercado
de mitos, onde filosofia, religião, zoologia, sociologia e, mesmo, amores se
interligam, se interpenetram, em todo o espaço onde houver lugar para o ato de
se viver, de sentir-se vivo. Afinal... ”lá
fora é aqui dentro.” (“O morro, a igreja e as crianças”).
II-
O
LÍRICO
Ainda
que lírico (palavra surgida no Romantismo do século XIX, voltada ao subjetivo,
ao emocional e ao individual - à marca do “Eu”), Rufino nos oferece um texto
nada suave. Seus poemas ferem fundo, incomodam, não pedem o conforto dos olhos
do leitor. Metáforas e metonímias em profusão trabalham versos de não fácil
desconstrução. Sua palavra é viva, arde, queima. Um grito que ecoa forte, cerzido
da ancestral dor humana.
Entre
os gregos, a lírica se vinculava, basicamente, às religiões. Os textos de
Marcio Rufino se equilibram na tênue linha entre a obscuridade e a
transparência, com imagens recorrentes da coisa divina, do sincretismo, com o
ritual do que é pagão e religioso, que, ininterruptamente, nos direcionam ao
caminho da solidão, dos amores, quase sempre perdidos, e à culpa, social e
íntima. Há um sentimento do sagrado, de influência dogmática, com tudo que há
de punição e vergonha, muitas vezes. Como se estivesse, permanentemente, “num estado mental próximo ao da prece”,
para lembrar Matisse.
Poemas
difíceis, muitas vezes cifrados, talvez para serem lidos através de seus avessos,
ressignificando seus conteúdos, unidos por pensamentos que se entrelaçam como
estilhaços em fogo, isto é, em alta voltagem poética: “Sobre pelos que se transformam em horto.” (“As montanhas de carne”);
“Há rios vermelhos de groselha e de
sangue.” (“Negro Éden”).
Como
se houvesse um bicho dentro dele, que precisasse amansar, mas que não conseguisse
perceber qual bicho seria, apesar de tentar, através do poema, tocá-lo,
senti-lo, fazer-se “amigo”. Domá-lo: “Talvez
eu encontre uma hora livre / Para ser o que eu quero e fugir do mundo / Para me
refugiar de tudo que me corrige / Até mesmo de um falso ensejo profundo./ (...)
Para me livrar da culpa de algum pecado / Que minha consciência quer e exige /
Até de um delito que eu não tenha sonhado. / Talvez eu vire um semideus sensual
/ Que remova céus e montanhas / Em busca de uma alternativa natural / De lidar
com minhas forças estranhas.” (“A hora livre”).
Rufino
deseja se expressar, sobretudo, sobre o absurdo da possibilidade de se estar
vivo nos dias de hoje, formando digressões verbais e ideológicas motivadas pela
memória que se perde no “emaranhado” das coisas presentes e na impossibilidade
do futuro. O poeta se espanta com as singularidades entre a fantasia, a
imaginação e o real, que, afinal, formam “nós
mesmos.” (“Ficções”). E vê surgir um ser de grande fragilidade e carência,
cuja imagem que faz de si radicaliza-se poeticamente no bojo de sua fértil
imaginação.
III-
CULPA,
PECADO, SEXO, AMOR E POESIA
Quase
todos os temas caros ao autor (culpa, pecado, redenção, pureza, salvação)
encontram-se, de forma explícita, no poema em prosa “O despertar de Adão”, onde
se “mesclam” a figura de Adão com o Eu (personagem?) do poeta. Vejamos alguns
fragmentos:
“Outro
dia ao acordar, imaginei-me no lugar de Adão. Mas não o Adão de Eva; não o Adão
da árvore do fruto da ciência do bem e do mal; não o Adão da expulsão do
Paraíso; não o Adão que gerou Caim e Abel. Mas o Adão de seu princípio. (...) E
sendo ele seu próprio início, ainda sofria e se espantava com seu próprio desconhecimento
de si e de tudo que lhe rodeava. (...) Eu era um Adão-Frankstein que
desconhecia a mim e ao mundo e sendo me dado de presente, não sabia o que fazer
com aquilo tudo.”
Mas,
o que Marcio Rufino almeja é entregar-se ao Mistério, amorosamente, e deixar-se
falar com ele sobre dúvidas, mais do que certezas. Nessa poesia fremente,
profunda, visual, imagética, quase sempre interrogativa ou reticente, a ponto
de, em alguns poemas, negar-se aos fluxos internos de seu corpo e, óbvio, de
seu desejo, há um imenso teor erótico pairando latente na pele de seus versos.
“Emaranhado” é uma viagem entre a angústia e o erotismo de um poeta que sabe
temperar temas difíceis com o azeite do bom texto. O que nos pode remeter a Max
Stirner, um dos geradores do anarquismo: “Se
nos buscamos, isso significa que ainda não nos temos, andamos atrás daquilo que
devemos ser, logo não o somos. Vive-se na nostalgia e assim se viveu durante
milênios, na esperança. Muito diferente é viver... no gozo!...”
Em
seus poemas, há uma sensualidade e uma sexualidade quase reprimidas, mas
latentes e pulsantes: “Conforme nossos
atos, podemos ser na vida animais ou vermes. / Mas sempre estamos atrás de algo
que se reproduza (...) Eu me perdia sem medo nas matas negras do seu corpo / E
descobria que seu coração morava dentro do seu falo.(...) Mas meu sonho é nós
nos entendermos sem compromisso / Botarmos para fora todo desejo reprimida
mente omisso.” (“Indócil idílio”).
O
teor erótico, carnal, lúbrico e libidinoso, de alguns poemas, pode ser
interpretado como a dor da não-aceitação (pessoal? social?), e, por isso, falam
mais ao coração que à razão. Vejamos o que digo, já a partir do título de um
dos poemas, “O amor anormal”: “Sentir o
proibido não é nada / Pior é aceitar o proibido/ Num rumo qualquer de estrada /
Ou na dolorosa manha da libido. (...) Não é nada atender o desejo do outro /
Pior é fazer com que esse desejo seja também seu / E ver dentro da lama do
outro o ouro (...) Entregar-se a perversão passiva / É muito fácil como cômoda
intolerância (...) O outro também quer me dominar (...) Com frieza e crueldade
quer me usar / Sem saber que também será vilipendiado por mim. (...) Ele quer
sentir o odor de seu sêmen em minha boca / Mas isso são sonhos imundos que
povoam minha cama de casal. (...) O outro sou eu num idílio híbrido / O outro
somos nós num dilacerado momento / Que desenha o amor anormal e ilícito (...)
Esse amor que por se ousar existir / Subvive a margem do planeta (...) Não sei
o porquê de todo esse desprezo. Se tudo que aí está é amor / Queria falar de
todo o meu desejo / Sem causar deboche, nem horror. (...) Dedico esse texto a
memória de Clarice / E continuo sufocando a minha agressividade / Pois a
anormalidade me disse / Que o amor e a arte é que salvarão a humanidade.”
Ou
ainda, em “O monstro Teimosia”: Teimosia
inexorável, soberba, sonhadora. / De gosto louco, bêbado, exótico. / Conivente
com outros monstros depravados / Que se acariciam / Em frente à gigantesca tela
plana de cinema erótico.”
Por
paradoxal que se mostrem alguns termos e ideias, nos poemas acima citados, de qualquer
forma, são libelos corajosos. Apesar da sexualidade e da sensualidade
encantatórias, o desejo vem sempre encoberto e assombrado pelo social e pelo
religioso. À sombra.
Por
outro lado, num ousado grito de liberdade extremado, discorre: “Você ainda não conhece os versos / que
nascem na calada da madrugada fria / embaixo do cobertor. (...) pois somente
nos meus versos / posso, quero e devo fazer amor, / não só com mulheres e
homens, / mas também com crianças, bichos, / plantas, coisas, anjos, santos / e
Deus muito além das orações. / Você não sabe que meus versos (...) acabam
saqueando corações e almas / e não conseguem saquear corpos. (...) mas meus
versos, mesmo assim, / sentem inveja dos versos que saqueiam corpos.” (“Você
não conhece todos os meus versos”).
E
é o próprio poeta quem nos afirma, em seu poema “Ancestralidade”: “Minha idade adulta cria um paradoxo / Entre
o que eu não vivi e gostaria de ter vivido; / Entre o que eu vivo e não
gostaria de viver; / Entre o que eu poderia ter sido e não fui; / Entre o que
eu sou e gostaria de ser.”
Essa
“desorientada pessoa” (“Uma retórica
apaixonada”), esse desespero, essa
angústia, essa luta interna do poeta, entre o ser, o querer e o estar, nos
induz a pensar que estamos aqui para observar o caos que nos fincou no mundo, e
imaginar o que fazer dele ou com ele. Hilda Hilst já dizia que “a literatura vem desse conflito entre a
ordem que você quer e a desordem que você tem”; assim, ao poeta cabe erigir
essa poesia que o mantém vivo e, quem sabe, dar um viva à desordem que, ao
mesmo tempo que o contém, o edifica. Só lhe resta organizar o caos e
compreender a loucura e o sentido da liberdade. Afinal, “ser livre é suportar a angústia de cada escolha”, citando,
aleatoriamente, Sartre. Para Rufino, o
que está em jogo é o Mistério da própria Vida: “A vida é uma ilha flutuante / Sem porto fixo, sem norte./ Quanto mais
se nada em sua direção / Mais ela foge. (“O monstro Teimosia”). Ele sabe
(ou intui) que o poeta faz poesia para se sentir vivo, para aprender a viver.
IV-
(IN)
CONCLUSÃO
Entre
imagens surrealistas e criativas, Marcio Rufino constrói um poema instigante e versátil;
um painel de imagens míticas e místicas, onde sobram dor e melancolia, mas,
onde, igualmente, tange a luta entre o passado, o presente e o impensável futuro,
onde cavalga certa desesperança no mundo dos homens: “Se alguém perguntar / Quem eu sou / Diga que sou uma criatura quase
humana / Algo entre religioso e monstruoso... (...) Algo que não fosse nem
pergunta nem resposta (...) Se alguém perguntar / Onde moro / Diga que por aí /
Chegando de repente / Sem hora pra partir. (“Identidade”).
Na
poesia de Rufino, tudo é diferente e uno; um “emaranhar-se” de possibilidades e
caminhos. Nela, cabe tudo e todos, em especial, os considerados
“fora-da-ordem”: anjos, mosquitos bêbados,
fadas, lobisomens, cisnes com flores no rabo, Mães D´água, cravos nus, homens-peixe,
bruxos, montanhas de carne, Serafins, reis, princesas, magos, piratas,
imperadores, monstros, duendes, ninfas dos bosques, demônios, grilos,
borboletas, pombos negros, urubus, emas, chifres brancos de capeta, sete mil
pragas do Egito, camponeses, elefantes de louça, pernilongos... O que o poeta
deseja mesmo é “Ser um mosaico de
naturezas, pensamentos e quimeras, / Onde tudo avassaladoramente se completa.” (“Uma
retórica apaixonada”).
“EMARANHADO”,
belíssimo livro do poeta Marcio Rufino, com seus textos dilacerantes, em verso
ou em prosa, nos retrata um mundo onde a dor ecoa, onde se é só, onde a
tristeza nos dá o pão de cada dia. É um trabalho desiludido, no qual o humor
não serve de amparo. Rufino nos incita a pensar sobre o mundo, sobre nossas
vidas, nesses tempos de homens e amores frios e terríveis. “O que fazer”?, parece perguntar o poeta. E parece nos responder: “Só a poesia é o lenitivo capaz”.
Tanussi Cardoso é poeta
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