Desceu em Belford Roxo
de um ônibus que vinha de Vilar dos Telles.
Sua pele era de feijoada
mas seu cabelo era puro trigo.
Sua pele era de noite
mas o seu cabelo era o horizonte de tardinha.
Falsa britânica.
Nórdica preta.
Africana de cabelo pintado entre o castanho e o dourado.
Zulu disfarçada de branca.
Entrou na padaria
pediu um refrigerante
e cruzou suas grossas coxas
debaixo de um curtíssimo jeans rasgado.
A rapaziada toda olhou e babou
ela toda no pensamento
imaginando estar no século retrasado
e possuir aquele território à revelia
que parece ter saído de uma letra
de Benjor ou Melodia.
Bebeu tudo numa só golada
pagando a conta.
Saiu não só levando
o louro e duro cabelo entrançado
acima do sorriso amarelo
mas também o olhar de todos nós
entre aquele busto
que eram dois maduros jamelões gigantes
embaixo daquele vermelho sutiã.
Sumiu entre pagodeiros e funkeiros
entre credores e devedores
entre viajantes e farofeiros
entre pequenos empresários e vendedores.
Ela saiu do nada
e foi com tudo para qualquer lugar
tomando seu sorvete demais
deixando em sua língua
que nos banhava em sonho
o sabor daquele morno verão.
Este é o meu poema mais popular e também faz parte do livro "Doces Versos da Paixão".
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
2 comentários:
Oi.
Adorei seu poema! Nunca tinha visto nada, nem no registro artístico e nem em nenhum outro, que falasse bem de negras loiras. Muito bacana.
Gostei muito desse poema. Me lembrou "A uma passante" de Charles Baudelaire. O notável é que sua passante é uma "Zulu disfarçada de branca" que "Desceu em Belford Roxo vinda de Vilar dos Teles". Esse poema tem a alma da baixada fluminense como o de Baudelaire tinha a da Paris da segunda metade do século XIX. Vc conhece bem sua terra; deve escrever mais sobre ela.
Postar um comentário