"Marcio é maravilhoso

Marcio é divino

Marcio é moço fino

Rufino é homem com olhar de menino

Marcio é decidido

Marcio é mestre, brilha no ensino

Marcio é guerreiro...

E nesse Emaranhado Rufiniano, quero me emaranhar."

(Camila Senna)















domingo, 9 de dezembro de 2007

Você não conhece todos os meus versos




Você ainda não conhece os versos


que nascem na calada da madrugada fria


embaixo do cobertor.




Você não conhece os versos que nascem


quando sozinho, preocupado e sem graça


ando pelas ruas insossas de Belford Roxo


e vejo suas paredes descascadas,


seus comércios decadentes,


os adolescentes indo para a escola em bandos histéricos,


os homens nus da cintura para cima bebendo cerveja,


as mulheres carregando sacolas de supermercado,


as crianças brincando,


os muros pixados,


os terraços das casas perdidos entre as abóbadas das árvores,


o asfalto sujo e corroído de excremento de cavalo.




Você não conhece os versos que nascem


quando ao ouvir canções de amor


me derreto como o sorvete


que se derrete ao calor da língua,


pois somente nos meus versos


posso, quero e devo fazer amor,


não só com mulheres e homens,


mas também com crianças, bichos,


plantas, coisas, anjos, santos


e Deus muito além das orações.




Você não sabe que meus versos


querendo conquistar além de amizades


acabam saqueando corações e almas


e não conseguem saquear corpos.


É mais louvável, belo e heróico


saquear corações e almas,


mas meus versos, mesmo assim,


sentem inveja do versos que saqueiam corpos.




Eles também desejam as efemeridades,


as futilidades, as inutilidades, os escárnios,


as zombarias, os abusos, os excessos,


as orgias, as luxurias, o prazer.




Meus versos piratas


não querem o ouro,


não querem a prata,


não querem o euro,


nem o dólar.




Eles querem a bobeira, a palhaçada,


a maluquice, a brincadeira.




Portanto,


não me venha com seu falso equilíbrio,


seu cuidado, seu bom senso, seu "você há de convir",


seu "não é bem assim", seu "você tem certeza?",


seu "pense melhor", seu "você pode se arrepender".




Seu tudo aquilo que é a gaiola do mundo,


o cadeado do sonho,


a grade da vida


que quer encarceirar o céu


que pare a pomba branca da paz,


a terra que pare o lôdo,


o espelho que mostra a minha cara


parindo minha barba e meu bigode,


o sentimento que pare o gesto,


o pensamento que pare a palavra,


a natureza que pare a paixão.




É...


Você não conhece todos os meus versos.

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quinta-feira, 15 de novembro de 2007

O despertar de Adão


Outro dia ao acordar, imaginei-me no lugar de Adão. Mas não o Adão de Eva; não o Adão da árvore do fruto da ciência do bem e do mal; não o Adão da expulsão do Paraíso; não o Adão que gerou Caim e Abel. Mas o Adão de seu princípio. O Adão que sendo o começo de tudo, foi ele o próprio princípio do começo. E sendo ele seu próprio início, ainda sofria e se espantava com seu próprio desconhecimento de si e de tudo que lhe rodeava.



Falo do Adão que tinha acabado de despertar do primeiro sono gerador de sua vida, e sendo primeiro, também gerador da humanidade. Falo do Adão que acordou do sopro nas narinas e ao sentir-se barro fresco revestido em epiderme, se fragilizava e se confundia com aquilo que lhe era dado.

O impacto da dor do princípio das coisas e seu espanto é algo inigualável, pois ao acordar sentia a mim, meu colchão e meu lençol como terra pura. Eu era um Adão-Frankstein que desconhecia a mim e ao mundo e sendo me dado de presente, não sabia o que fazer com aquilo tudo. Que já nascia homem e sendo homem feito, recém-nascido, dado de presente de si para si, não sabia o que fazer com o primeiro dia, a primeira fome, o primeiro medo, a primeira sede, o primeiro desejo, a primeira raiva, a primeira manhã, a primeira manha, já que era eu o primeiro.

Não ser acostumado consigo mesmo e com o mundo causa um êxtase gozosamente insuportável. O susto das coisas em volta é algo fatalmente e irremediavelmente bom, pois a minha reação perante os livros, o guarda-roupa, o criado-mudo e os outros objetos do meu quarto deveria ter sido como a perplexidade de Adão perante as árvores, o rio, o mato, os bichos e o céu imersos na redundância física do momento que se exibia. Que é a reação do prazer em conhecer sem conhecer o prazer. O prazer inconsciente e desconhecido é um milhão de vezes melhor do que o prazer propriamente dito. Ainda mais quando se concebe e se pare a si próprio, sendo o seu próprio pai e sendo a sua própria mãe.

Cabia a mim, apenas, me agarrar ao primeiro andar e caminhar com bastante dificuldade até o banheiro, onde liguei a torneira e acolhi nas minhas mãos em conchas aquele outro ser sedutoramente desconhecido: a água. E o primeiro contato desta no meu rosto fazia tudo gradativamente se apagar. E do redemoinho que nascia do ralo, eu via escoar-se tudo: o sentido primeiro das coisas; a sensação primeira de tudo e o Adão que havia em mim.

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quarta-feira, 4 de julho de 2007

Casantiga



É tão bom viver numa casantiga
No meio do mato
Entre verdes pastos
Sentindo uma brisa amiga.
Casa coberta de telhado
Pra quando a chuva cair
A gente melhor escutar.
Velho moço tocando violão
Pra quando avião passar
A gente nem olhar.
Grandes árvores
Dando gostosos frutos pra gente comer
E dos arranha-céus e das torres de babel
A gente se esquecer.
Feijão mineiro, arroz carreteiro, que amor.
Salada sem vida e sem cor de restaurante, que horror.
Uma galinha e seus pintinhos. Observo.
Para as mães não jogarem mais seus filhos no lixo
A Deus peço.
Morro alto pra gente se matar de subir
Pras escadas rolantes dos shoppings, num tô nem aí.
Leite fervido da vaca. Me acabo.
Leite em pó. Milk shake. Recusado.
Trotar de cavalos saudáveis puxando carroças. Legal.
Barulho de motores dos automóveis. Infernal.
Borboleta saindo de dentro da crisálida. Adoro.
Rato saindo de dentro do esgoto. Ignoro.
Na rede à tardinha, me ajeito.
O colchão duro e fino da cama, rejeito.
Pelas velhas lendas desta terra me interesso.
Estórias de Batmans e Rambos da vida desprezo.
É a natureza. A criação. A verdade.
A origem. A revelação. A identidade.
De um povo. Uma vida. Uma nação.
Uma cultura. Uma dignidade. Uma canção.
Perdidos no meio do nada.
No meio da caatinga.
No meio da estrada.
Dentro de uma casantiga.



Este poema faz parte do meu livro "Aldebarã & seus amigos" ainda em fase de gestação.

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O amor me pegou.





O amor me pegou


entre solidão e música


entre meu quarto e minha cama.




Quando de repente


me lembrei da primeira vez


que vi seu rosto.




De repente me vejo aqui


com esse leão feroz


querendo saltar de dentro do meu peito.




Que vai dar no mar


Que nos levará para uma ilha


feita para nós dois.




Guardada por um deus grego


e uma santa católica


que se compadeceram


da sinceridade do meu amor.




Será que você não vê


que meu coração


é uma baleia gigante


que ondula, pula e salta


de cabeça para o rabo


num mar de bem querer.




Mas eu fico aqui nesse quarto


totalmente exilado, alienado, separado


desse mundo que não se cansa


de correr lá fora


dessa gente que não se cansa de andar lá fora.




Não quero que minha solidão me enterre em terra frouxa


me comendo da carne em incerteza


que é a destruição.


Mas me conduza em estradas iluminadas


por noites escuras de lua e estrelas


que é a paixão.




Bendito seja seu rosto vermelho


de vergonha e charme


Bendito seja seu olhar infantil


de inocência e arte.




Ainda hei de ver chegar o dia ou a noite


em que numa mesa de bar


ou numa festinha de estar


chegaremos juntos


passo a passo


palavra a palavra


a verdadeira razão espontânea de sentimento.




Não quero que minha loucura


faça com que minhas unhas e meus dentes


me estraçalhem vivo


que é a morte.


Mas faça com que meus lábios e minha língua


percorram os pêlos do seu corpo


sugando a sua energia


que é a sorte.




Maldito seja todo o rosto pálido


de hipocrisia e maldade.


Maldito seja todo o olhar frio


de ironia e falsidade.




Ainda hei de ver chegar a tarde ou a madrugada


em que você vai me ver


como uma pessoa


que te quer muito amor.


Que não é só um corpo


capaz de dançar,


mas de fazer música.


Não é só capaz de comer,


mas de sentir fome.




E aí você vai entender


a razão do que eu digo.


Pois é com muito orgulho


que eu grito


com todas as minhas vísceras


que o amor me pegou.




E é ele quem me abre o coração


para você passar


assim como Moisés abriu o Mar Vermelho


para o povo hebreu caminhar.




É por isso que eu sou seu


mesmo que você não queira.


É por isso que você me domina


mesmo que não me deseje.




Agora cala minha boca.


Não quero mais falar.


Não quero mais te olhar.




Não quero mais traduzir em versos


tudo que os meus olhos lhe revelam


e meu coração pensa.


Tudo que minha boca insulta


e meu pensamento pulsa.




Já que esse amor não morre.


Renasce em outro crepúsculo,


percorrendo outros músculos


em poucos minutos,


de um tempo minúsculo de se querer.




Cresce em reflexos


num mundo circunflexo


de dias perplexos


de sentido sem nexo de se viver.




Se reproduz desesperado


num momento exato


de corações apertados


e sentimentos frustrados de se esperar.




Morre em braços duros


de homens maduros


de pensamentos obscuros


e corpos profundos de se entregar.






Este poema também faz parte do livro "Doces Versos da Paixão".

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sexta-feira, 29 de junho de 2007

Negra Loura

Desceu em Belford Roxo
de um ônibus que vinha de Vilar dos Telles.
Sua pele era de feijoada
mas seu cabelo era puro trigo.
Sua pele era de noite
mas o seu cabelo era o horizonte de tardinha.

Falsa britânica.
Nórdica preta.
Africana de cabelo pintado entre o castanho e o dourado.
Zulu disfarçada de branca.

Entrou na padaria
pediu um refrigerante
e cruzou suas grossas coxas
debaixo de um curtíssimo jeans rasgado.

A rapaziada toda olhou e babou
ela toda no pensamento
imaginando estar no século retrasado
e possuir aquele território à revelia
que parece ter saído de uma letra
de Benjor ou Melodia.

Bebeu tudo numa só golada
pagando a conta.
Saiu não só levando
o louro e duro cabelo entrançado
acima do sorriso amarelo
mas também o olhar de todos nós
entre aquele busto
que eram dois maduros jamelões gigantes
embaixo daquele vermelho sutiã.

Sumiu entre pagodeiros e funkeiros
entre credores e devedores
entre viajantes e farofeiros
entre pequenos empresários e vendedores.

Ela saiu do nada
e foi com tudo para qualquer lugar
tomando seu sorvete demais
deixando em sua língua
que nos banhava em sonho
o sabor daquele morno verão.


Este é o meu poema mais popular e também faz parte do livro "Doces Versos da Paixão".

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terça-feira, 26 de junho de 2007

Observação poética.


Os poemas editados no blog estão no meu livro "Doces Versos da Paixão" editados na editora Litteris em 1998. Leiam e deixem comentários. Um abraço.

O homem e o bicho / O bicho e o homem.



O beijo e o bicho




Eu dei um beijo na cabeça do bicho.

Perplexado com meu ato

passei a refletir num tom apressado

o que esse beijo me podia causar.



Uma virose louca

devido ao grande contato

de seu pêlo em minha boca?



Uma alergia infeliz

devido à proximidade

de seu aroma em meu nariz?



Uma doença estranha

devido ao toque

de meus dedos em suas entranhas?



Amedrontado com meu ato

deixo que o eixo do medo

supere a ternura do beijo.



Bicho que não pediu beijo,

porque deixo que o meu preconceito

atravesse como uma espada de aço o meu peito?



Beijo: ato de amor.

Beijo: para aliviar a dor.

Bicho: criatura intrigante.

Bicho: ser interessante.



Beijo: sinal de carinho.

Beijo: derrubando os espinhos.

Bicho: animal consciente.

Bicho: quase igual a gente.



Não sabendo o que se passava na cabeça do bicho

passei a pensar que sabia o que se passava na minha.

Mas sabendo que o bicho tudo tinha a ver com isso

passei a responder com a razão o que o coração não adivinha.



Oh Senhor, Deus do Universo.

Por tudo que há de mais imerso,

não permita que eu jogue meus lábios no lixo.

Pois na minha cabeça

ainda beija

o beijo que eu dei

na cabeça do bicho.






Este poema escrevi, porque de uns tempos para cá passei a não só me apaixonar pelos animais, como chego a acreditar que serão eles que irão salvar o planeta do animal mais perigoso do mundo: o homem.

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sábado, 23 de junho de 2007

Lindo mar azul.



Mania de Mar


Na primeira vez que eu vi o mar
Eu não entendi nada.
Tinha acabado de acabar a madrugada
E o azul que estava em cima
Era diferente do azul que estava embaixo.
E a formosa linha sem cor estava ali no meio.

Hoje eu me amarro no mar.
Minha mãe tem medo do mar.
Meu pai não tá nem aí pro mar.

A mulata que entra.
O moreno que sai.
A sardinha que pula.
A gaivota que cai
De boca
Na ostra.

Jogam merda no mar.
Meu Deus.
Por que fazem isso com meu mar?

Mergulho no mar que não muda.
Deixo molhar em meu dorso sua espuma.
Vejo o mais destemido surfista e sua prancha.
Vejo a mais libidinosa mocinha e sua tanga.

Isso não é nada frente a imensidão do mar
Que é traiçoeiro
Que é cancioneiro
Que é poderoso
Que é misterioso.
Que tem maresia
Dentro de sua poesia
Que rola na areia
Nos olhos da sereia
Cansada de chorar
Choro salgado de mar.

O mar tem mania de não sair de moda.
Ele molha nas pedras sua histórias
De piratas e marinheiros
De caravelas e navios negreiros.

O mar invade meu nome
Se fundindo com o cio.
Mar-Cio
Marcio.
Essa coisa me melhora
A cada hora de minha molusca existência.
Mesmo que isso não encha os olhos de ciência.

Não me canso de viajar
Quando danço com o barulho do mar.
Lembro da bela deusa que nasceu do mar.
Lembro de tudo que o mar dá.
Me esqueço de tudo que o mar pode levar.

Que um dia o mar me leve
Para o fim de seu infinito
Através da carcaça de uma baleia.
E eu ilustre habitante dessas ondas
Possa andar por entre as conchas
Contemplando o fascínio d'alem mar.
E que meu coração romântico
Se lance no Oceano Atlântico
Onde ele nunca há de parar.



Esse poema descreve a minha perplexidade na primeira vez que eu vi o mar na minha vida quando eu tinha quatro anos de idade em Cabo Frio.

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Meu lado obscuro.



O Dia Escuro


Na manhã estranha
De tardes tacanhas
Saio com o dia escuro
Embaixo de nuvens negras
Entre as luzes ainda acesas.

No infinito ainda o reflexo
Da queda do último relâmpago.
As marcas da tempestade
Que escureceu todo meu âmago.

Nada impede que eu ande
Entre casas sem muros
De mármores escuros.

A ventania soprando mundo afora.
Talvez eu quisesse ter alguém
Do meu lado agora.

Na primeira esquina
Cruzo com o sorriso aberto
De uma criança escura
Que clareia toda a rua
Que esclarece toda dúvida.

Ninguém sabe o que se passa dentro dos aviões,
Dos carros, ônibus e caminhões
Que param e passam,
Que dão passagem e atropelam,
Passam por cima e salvem
E deixam morrer na estrada molhada de chuva.

Nem por dentro da cabeça das pessoas que não sabem
Que o sorriso largo da criança
Perante o dia escuro
É tão contraditório
Quanto o vôo da ave de rapina
Pelo céu e mar limpo
Entre o sol mais que vivo.

Dias escuros, noites claras,
Manhãs violentas, tardes lentas.
Amores aflorando, ódios sangrando,
Corpos transando, cabeças rolando.

E o dia escuro cresce.
Assim ele aparece.
Assim ele se determina.
Assim ele domina.

O olhar dos que vêem seus filhos
Irem à escola em capas que os protegem da chuva,
Mas não do frio.
O olhar dos adolescentes mortos de tédio.

A perda da vida das cores das tintas.
O triste impulso sem graça do céu cinza.
O fraco aspecto de ternuras sem carícias.
Os cruéis detalhes das últimas notícias
Dos jornais, das revistas, nas bancas, livrarias.

A velha que escorrega
Caindo na lama.
Os corpos que batalham
Desejando ainda estar na cama.

Comanda os pensamentos poluídos dos homens do mal
Que guardam o sexo na cabeça e as idéias no pau.
O fundo do coração das moças de mente vazia
Que fazem bebês assim como fazem comida.

A teimosia das aves que não se cansam de voar.
A bravura das árvores que insistem em respirar.

Talvez o mistério da noite venha esconder o medo no olhar.
Mas a realidade é má e tão fácil não irá nos desvencilhar.

E o negro do sorriso da besta
Cobrirá o branco da lua,
Como a urina do bêbado
Escorrendo da calçada para rua.

Se é doce morrer no mar
É amargo morrer no asfalto
Não vale morrer de enfarte
Depois de escapar do assalto.

Nos móteis, os debates de ego
Que se fingem de sexo
Com certeza se acirrarão.
Só que eles nunca saberão
Que nas minhas mãos está a solução
Da limpeza de toda podridão
Que toda mentira possa sujar.

Mas não se percam nas confusas palavras desses versos-pensamentos.
Pois o dia escuro, como um pesadelo,
sucumbirá num só acinte
no despertar do nascer do sol do dia seguinte.

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Louco beija-flor da Baixada Fluminense.


Quando o beija-flor lilás beija o doce vento do amor


Amanheceu em mim a idéia de morte.
Uma morte que era ressurreição.
Ressureição de um louco desejo
De esquecer que alguém está me vendo
Por trás do buraco da parede.

Nessas horas eu sou um sonho erótico.
Um guarda noturno.
Um animal exótico.
Um herói taciturno.

Uma abelha-rainha.
Uma fada madrinha.
Uma saia rasgada.
Uma camisinha furada.

Nesse conto de bruxas
Minha metade sapo se funde com minha metade príncipe
Ao ser beijado por uma desonrada princesa vestida de pomba-gira.

E enquanto no céu de minha boca
Anjos sensuais me aguardam
Tocando sinos de boas vindas,
Sonho com meu amargo regresso
Acompanhando o natural desenvolvimento do progresso.

Me atiro na terra e me torno o mais selvagem tigre a correr pelo mato.
Mergulho na maresia e sou um terrível e sedento tubarão
A atacar sua frágil presa por sobre as ondas.

E a saudade de uma época que eu me esqueço
Me lembra que hoje há crianças cheirando coca-cola
E eu espero minha namorada na porta da escola.

O pai dela é bancário.
Sua mãe é professora.
Seu tio é estelionatário.
Sua prima é sedutora.

Me olha com olhar voluptuoso
Celebrando minha rebeldia.
Me abraça um abraço fogoso
Despertando minha lascívia.

Tudo isso acontece quando o beija-flor lilás Beija o doce vento do amor
E voa seu vôo veloz por cima da Baixada Fluminense
E bica seu viril bico teso
Nas flores mais murchas e resistentes.

Entardeceu em mim a idéia de vida.
Vida que é verdadeiro falecimento de meu corpo
Dentro de um coração quente.

Nessas horas eu sou um cavalheiro andante.
Uma tradução malfeita.
Uma idéia mirabolante.
Uma proposta desfeita.

Um ator canastrão.
Um cinema em última sessão.
Uma pessoa esquecida.
Uma coisa esquesita.

Nesse romance policial
Minha metade PM se funde com minha metade bandido
Ao ser capturado por um respeitável detetive vestido de traficante.

E enquanto no inferno de minha libido
Demônios castos me escorraçam
Me espetando de baixo para cima
Me preparo para minha festejada ida
E acompanho o natural avanço da tecnologia.

No mato sou a mais venenosa cobra a lançar sua língua pelo ar.
Na areia sou o mais astucioso caranguejo a cortar a carne com sua mão-tesoura.
Na parede sou a mais combativa formiga a lutar pela subsistência.
No ar sou a mais fagueira águia a bater livre suas asas.

E o desespero da época que vivo
Me lembra que ontem haviam crianças que ainda bricavam de roda.
E a vida passa pela minha memória.

Ela vaza pelo meu corpo.
Se aloja em meu peito.
Despenca aos meus pés
E deita em seu leito.

E o beija-flor lilás se deixa tragar pelo vento avassalador
Que nos empurra para o nada
E nos puxa para o nem sei lá aonde.
Nos suga para o fim do mundo
E nos joga aonde Deus quiser.


Esse poema eu escrevi em um momento de louca inspiração.


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quarta-feira, 20 de junho de 2007

Um poema que diz muito de mim


Juntos

E juntos éramos uma geração, uma revolução,uma interrogação.
E juntos éramos uma história, uma trajetória, uma glória.
E juntos éramos uma aventura, uma postura,
uma fratura exposta
em pleno ocidente nacional.

E eu era apenas uma criança,
uma esperança de um futuro melhor.
Que ainda nem sabia que todo amanhã vira hoje,
para depois morrer como ontem
e renascer como anteontem

. Um curumim,
que, coitado,
achava que só porque era começo,
nunca seria meio nem fim.

Um neném,
um alguém que nada sabia da vida,
porém, achava que alguma coisa da vida sabia além.

Quando eu olhava para o céu cor de anil,
você passou e nem me viu.

Pertubando toda minha calma.
Não sou Lázaro, mas alguns vira-latas
já lamberam minhas feridas d'alma.

Alma essa que me enxerga sem me ver,
que me saboreia sem sentir meu gosto,
que me masturba sem em tocar,
que me enlouquece lucidamente.

Eu, então, passei a te perseguir.
Há duas horas digo que vou embora
mas continuo aqui.

Às vezes acho
que você é uma pequena grandeza,
já que sei muito bem
que para o amor não se põe mesa.

Mas de repente,
eu caio do cavalo.
Chorar?
Em que ombro?
Já que a sensação de estar caindo
é mil vezes pior do que a dor do tombo?

Me xingo,
me humilho,
me rasgo,
me ajoelho, me olho no espelho
ou leio um livro de Paulo Coelho.

Mas eu fico na minha.
Você fica na sua.
Uma inspiração me cobra
A criação que na verdade é sua.

Passeamos embaixo da terra,
Em cima do cèu,
Dentro do mar.

Viajamos na frente do ônibus,
Submerso ao navio,
Rasante ao avião,
Tudo é um só coração.

Olho para trás não há ninguém,
Nenhuma pessoa, nenhum espírito, nenhum perispírito,
Nenhum sinistro coelho nos roendo a carne como legume.

E será que chegamos lá?
Será que vamos alcançar algum rabo de cometa?
Alguma hélice de helicóptero?
Alguma asa de beija-flor?
Algum canto do sabiá?
Só Deus o saberá.

E juntos éramos uma luta,
uma abertura, uma cultura.
E juntos éramos uma dinastia, uma energia,
pura poesia.
E juntos éramos uma ilusão, uma consagração,
verdadeira fusão da realidade com a paixão
no Brasil da minha imaginação.


Escolhi este poema para abrir este humilde blog por acreditar ser o que eu estou mais inteiro nele. Não que nos outros eu não esteja. Mas este foi o primeiro poema que eu compus na minha vida.

Sem mais para o momento prometo abrilhantar este blog, não só com poemas de minha autoria, mas também poemas de amigos, poetas famosos artigos, crônicas e fotos. Tenham paciência pois o nosso blog está apenas começando

Um forte abraço.

Atenciosamente
Marcio Rufino

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